Em 2005 fiz um inter-rail com amigos da faculdade - e "foi só" uma das melhores experiências da minha vida. A viagem de Lisboa a Paris, foi épica, e naquela carruagem do Sud Express, onde dormimos amontoados com uns italianos, foi super desconfortável. Ao mesmo tempo, foi reconfortante, e mexeu comigo, porque não conseguia tirar os olhos do rapaz alto, de olhos azuis, de pernas peludas que seguia no banco da frente, e cujas pernas entrelaçaram nas minhas durante a noite - o espaço era mesmo muito reduzido, não havia outra possibilidade. O miúdo, italiano, fez-me suspirar várias vezes no trajeto, onde lhe tentei fitar o olhar várias vezes, de forma a capturar uma qualquer momento de atenção. De ligação. De demonstração do meu interesse. Contudo, ao mesmo tempo que tudo isto se passava, olhava para o lado, esquerdo e direito, para tentar verificar se alguém tinha percebido o foco da minha atenção.
Apesar de ser "já ser gay", ainda me via como bissexual (aliás, há quem diga que no fundo somos todos "bi's"), talvez por ser mais fácil aceitar-me. Compreender-me. Justificar-me. E apesar de olhar para os rapazes giros que encontrava em toda a viagem, nunca consegui "assumir" esse interesse. Essa vontade. Essa condição. Ficou sim, o fascínio por italianos (de Paris seguimos para o norte de Itália) e o sonho de um dia regressar a estas paragens com o meu hipotético namorado. Mas quando romantizamos algo, acho que isso faz com que tudo demore mais tempo a acontecer. Portanto, não aconselho. A vida não é um filme da Disney, e as desilusões são (mais que) muitas. Ah e um grande spoiler: nada é para a vida, a felicidade não dura para sempre, e nem tudo é constante num relacionamento. Sorry.
Mas ainda assim, uma das imagens desta aventura, que me ficou gravada na memória, e que me fez perder minutos a contemplá-la, aconteceu em Veneza. Na ponte junto à estação de comboios, na escadaria de acesso a uma igreja. No meio da multidão, que ali descansava as pernas, estavam dois rapazes. Um sentado, e o outro deitado com a cabeça nas suas pernas, estavam de mãos dadas, e viam o pôr-do-sol. E eu só pensava: caramba, é isto que quero para mim. E esse "frame" nunca me abandonou até hoje. E apesar de ter já ter estado novamente em Veneza, não consegui replicar a cena. Talvez porque não tinha de acontecer. Ou talvez porque fosse inverno. Ou simplesmente porque a cidade estava a ficar toda inundada e eu já tivesse água pelas canelas.
Passado temos todos nós
ResponderEliminarE presente e futuro (espero) LOL
EliminarGosto da sua escrita, vinda de algum sítio que me faz acreditar no que escreve, apesar de não o conhecer, e fluída, como que ao correr da pena.
ResponderEliminarPor isso tomei a liberdade de lhe deixar aqui uma memória minha sobre o mote de "Veneza". Vou-lhe invadindo o seu blog, espero que não considere atrevimento, visto que eu sou decididamente antediluviano relativamente ao que refere sobre a sua idade!
Sabe que me rio interiormente quando se considera já "fora da idade", quando refere que tem 42 anos. Rio-me para não ficar completamente em deprimido, visto que, se se considera fora da idade, que direi eu que fiz 42 anos há um quarto de século!!!
Mas vamos lá ao tema.
Visitei a primeira vez Veneza com o meu pai, num inverno, era eu um miúdo, ainda incapaz de apreciar toda a história, política e artística deste monumento ao engenho da humanidade. Fui muito apaparicado nesta altura, com direito a quarto em hotel, passeio de gondola, enfim, mordomias de um tempo passado.
A 2ª vez que a visitei, já foi no início dos oitenta, num agosto quente, homem já adulto, de mochila às costas, viajando muitas vezes à boleia, porque era pobre que nem "rato de sacristia".
E claro, dinheiro para um quarto era coisa que não existia, assim decidi pernoitar, como aliás, muitos outros semelhantes a mim (éramos muitos, é verdade) defronte da entrada da estação de comboios.
Tinha o cuidado de ficar o mais possível no centro daquela mole humana, porque, de madrugada, os guardas acordavam-nos a pontapé, para que os visitantes/estrangeiros vindos de Mestre não vissem aquela imagem degradante quando chegavam a Veneza bem cedinho, no 1º trem.
Um dos dias, cansado que estava, não acordei com os berros dos meus confrades (nessa altura ainda tinha o sono pesado ... era jovem!) e fui eu que tive a oportunidade única de sentir as botifarras daqueles verdugos, bem aplicadas nos meus costados. Ainda hoje fico admirado como não me partiram nenhuma costela!!! Sorte a minha ou tenho os ossos duros de roer.
Fui, na noite seguinte, dormir no adro de uma igreja que havia do outro lado do canal, frente à estação ... debalde. Não foi a polícia que me acordou, devem ter sido os acólitos daquela congregação, mas o resultado não foi muito melhor.
Na última noite, eu, tonto e indigente, que já tinha pouco dinheiro, a raiar o "praticamente nada", gastei esse pouco, quase nada, que me sobrava num concerto que se apregoava na Catedral de S. Marcos, onde iria ser tocada música de Antonio Vivaldi, o célebre "padre vermelho", pois parece que era totalmente ruivo. Era um agrupamento estadounidense que se ali se apresentava, e que, recordo, fizeram as minhas delícias.
Tenho verdadeira paixão pela música de Vivaldi! poderia ouvi-la todos os dias, non stop, que continuaria a considerá-la magnífica!
Foi uma noite de chuva, com trovoada (como aliás foram todas as que ali passei, o que parece que é algo muito comum em Veneza, no verão).
ResponderEliminarOs relâmpagos que, através dos óculos das cúpulas, iluminavam o interior da catedral, mergulhada numa semi obscuridade fantasmagórica, davam à cena uma espécie de aura celestial, se acaso tal existe (ou, pelo menos, foi a imagem que criei dentro de mim).
Findo o concerto, estava preparado para regressar de novo ao adro da igreja (talvez que os pontapés ali não fossem tão certeiros ou dolorosos como os primeiros), quando ouvi alguém chamar-me pelo nome ... não acreditei que fosse dirigido a mim, pois não esperava que, a tantos milhares de quilómetros de casa, alguém me conhecesse. Mas era!!!
Um amigo do meu pai, tão incrédulo como eu, percebeu imediatamente que andava com fome (e era verdade), que não tinha um soldo para "mandar cantar um cego" (também era verdade), e que me preparava para definhar nos dias que se avizinhavam (tal como antes, igualmente verdade), convidou-me para pernoitar no sítio onde se encontrava, que não era nada mais nada menos que um dos muitos "palazzos" que estavam virados para o "Gran Canale".
Passei da mais abjeta pobreza para uma situação que poucas pessoas podem aspirar: dormir num dos palácios virados para o Gran Canale, com ementa a condizer ... como comi nesse dia!!!!!!!!!!!!!!!! Creio que, ainda que fosse só pão duro, este me iria saber a manjar dos deuses, mas não foi, tratou-se da magnífica cozinha italiana, uma que, para mim, se trata de uma das melhores do mundo.
Uma simples memória que, não tendo nada de romântica, foi algo que ainda hoje me parece totalmente surreal e caída do céu – não, não sou religioso, mas depois disto fiquei seriamente a pensar que: “No creo em brujas, pero que las hay, las hay!”.
Nunca mais me aconteceu nem creio que venha a acontecer!!!!
Cumprimentos
Manel
Que história deliciosa. Obrigado pela partilha, não só porque enriquece esta publicação, mas também porque soma valor a tudo aquilo que passámos na vida. Só em complemento, lembro-me bem das vezes que dormi na rua, porque eu e os meus amigos queríamos poupar dinheiro ao máximo, no nosso interail de 2005, para que essa verba fosse utilizada na entrada de museus. A situação mais chata foi em Turim, porque a polícia não nos deixava dormir nos bancos do jardim, então ficávamos todos colados uns aos outros sentados, de óculos escuros e chapéus, de forma a dar a ideia de que estávamos a contemplar a cidade. É claro que eu não disfarçava nada, porque durmo de boca aberta... AHAHAHA
EliminarSei bem o que isso é, tenho no passado algumas imagens que vi e ficaram na minha cabeça para sempre. Sejam alguns rapazes bem giros ou simplesmente aquele frame perfeito numa altura em que eu não podia ter o mesmo.
ResponderEliminar<3
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