quarta-feira, abril 29, 2020

Sentimentos para hoje: Melancolia



A escassos dias de fazer quarenta primaveras, voltam as tormentas de sempre. Voltam os medos das diferentes solidões. Voltam os receios do amanhã. Voltam todas as dúvidas do passado, que se projetam no presente e futuro, ainda com mais força. Não estou sozinho, mas estou registado como solteiro no registo civil. Não tenho filhos, porque se há dias que gostaria de ser pai, noutros nem por isso, e já se sabe que neste ponto não pode haver dúvidas, nem funções em “part-time”. Não consigo ter uma família de sangue, a minha e não só, reunida à volta de uma mesa, porque os meus ainda vivem no século XIX, e porque na prática nunca tive isso. Portanto, planeando e desenhando cenários a dez, vinte anos, torna-se bastante penoso, porque se sofre por antecipação. Tipo, aos oitenta anos, estarei sozinho? Estarei a sofrer, sem ninguém para me dar a mão? Abandonado e infeliz?

Ser um homem que se sente atraído por homens aos quarenta, não é a mesma coisa que aos vinte, onde pensamos que temos a vida toda pela frente. Onde elaboramos planos espetaculares a longo prazo, porque ainda temos muito tempo para isso. Queremos diversão. Queremos poucas responsabilidades sentimentais, porque temos muito para descobrir. Isto é, se o desbravamento começar por essa altura. Se forem como eu, que só militei afincadamente a partir dos meus vinte e oito anos, é fácil perceber que doze anos é um período muito curto. É quase nada, perante a imensidão da vida. Na prática, fui adolescente quase trintão. E o que fiz até lá? Tentei enquadrar-me na sociedade, estudei, tentei passar despercebido, procurei ter amigos e refugiei-me no meu quarto, com medo de ser diferente, porque não sabia muito bem como reagir. Como agir. Como ser.

Sinto que perdi muito tempo. Demasiado. Não é que aos vinte, ou vinte e dois anos, não explorasse o mIRC ou a Teletexto RTP, em busca de pessoas que pensassem como eu, mas o medo de conhecer “ao vivo” paralisava a conversa quando se tentava avançar para esse estado. Formalizar um conhecimento virtual, era assumir aquilo que eu não queria. Aquilo que eu não sabia ainda muito bem o que era. E sendo “menino de aldeia”, o pensamento ainda estava muito pouco desenvolvido nesse campo. O receio daquilo que os vizinhos, a família alargada e os amigos de infância pudessem pensar, era mais forte que uma qualquer felicidade individual. É claro que hoje, tudo é mais fácil. A sociedade, mal ou bem, é mais aberta. Mais disponível. Mais acolhedora. Existem formas maiores de comunicação, que permitem até que os mais tímidos, consigam encontrar um caminho. Existem mais bares para encontros casuais, e existem mais grupos de amigos que assumem a parte chata das apresentações. Existe uma panóplia de circunstâncias, que acabam por tornar tudo mais “natural”. Mais diluído na homofobia existente, que se confronta ainda com a sociedade portuguesa de cariz machista.  

Não quero com isto, estar aqui com uma ladainha piedosa, para causar nos outros uma qualquer espécie de empatia. Não. Longe disso. Apenas realizo um exercício muito pessoal... acompanhado. Tento ainda perceber, se a velhice para os homens que se sentem atraídos por homens, não será mais cruel que as outras. Mais solitária. Mais exigente na criação de laços afetivos duradouros, sabendo, porém, que o homem vê tudo de uma forma mais física que a mulher. Mais carnal. Mais descartável. Mais desprendida de sentimentos. E não, não acho que seja preconceito. Considero que é mesmo assim, embora reconheça exceções. Mas se me perguntarem se gostaria de voltar atrás no tempo, para tentar fazer as coisas de outra forma, ou se gostaria de voltar a ter vinte anos, respondo que não. Apenas respondo que queria ter apenas mais tempo para explorar a vida.  

2 comentários:

  1. Concluída a leitura deste texto a que cheguei certamente por acaso - o acaso existe? - foi inevitável a associação de ideias com aquele que, hoje mesmo, publiquei no meu blogue. Talvez não exista nada de comum entre eles, mas, em todo o caso, aqui fica.

    ...

    Ainda que as palavras possam conter em si a explicação dos caminhos, ainda assim, não há como ter a certeza do que quer que seja. Por outro lado, mesmo que o silêncio ceda à tentação de se refugiar no interior dos búzios, nem sempre os passos se diriam disponíveis para ignorar o embaraço de cada instante.

    Como se a resignação fosse inevitável, o tempo não cessa de envelhecer na geométrica perspectiva dos relógios. Talvez não haja alternativa e daí, se calhar, esta espécie de tranquilidade que se reflecte no amanhecer da memória. Na solidão do olhar.

    Dia após dia, continuo a reencontrar-me nas estórias que percorri e nos retratos que alinhavei nas entrelinhas de uma melancolia tangente à distância - certamente ilusória!... - que, não obstante, foi capaz de se intrometer entre as circunstâncias que me separam de mim próprio.

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    1. Acho que o problema será mesmo esse. O tempo. O tempo que passa de uma forma cruel e rápida, e que embora nos possa tornar resignados, nos deixa revoltados porque será sempre pouco.

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